Elitistas, leis 'expulsam' famílias para as periferias
Há mais de 40 anos, “Casa no Campo” foi uma referência icônica no repertório musical brasileiro. Expressava um desejo de então.
Hoje, 85% dos brasileiros moram em cidades, as quais ocupam em torno de 1% do território nacional! Daqui a apenas dez anos, mais de 90% da população do País viverá em áreas urbanas. E o sonho da cidade feliz só será possível com regulações urbanas alinhadas a essa realidade.
A crescente concentração de habitantes em centros urbanos se dá em âmbito mundial. É tendência irreversível que impõe aos gestores públicos a responsabilidade de garantir cidades funcionais, amigáveis, inclusivas, sustentáveis e com qualidade de vida.
Experiências internacionais mostram que o maior aproveitamento no uso e ocupação do solo viabilizou a oferta de moradias a preços acessíveis, por meio de edifícios altos e aproveitamento inteligente do potencial dos terrenos. E quanto mais altos, mais áreas de convívio social (praças), melhor ventilação, insolação, uso dos equipamentos públicos e mobilidade.
Infelizmente, a maioria das cidades do Brasil, com ênfase à São Paulo, maior metrópole do País, vai na direção contrária. As legislações urbanas, elitistas e restritivas, encarecem as moradias, expulsam as famílias para zonas periféricas e obrigam o poder público a levar (ou tentar levar) infraestrutura mínima a locais remotos.
As condições de mobilidade se tornam impraticáveis. A poluição é agravada. Enormes recursos são desperdiçados. Uma desigualdade tão desproporcional que nos escancara que o modelo urbanístico utilizado deu errado!
Várias são as situações criadas por essa equivocada política, que coloca grande parte da população na cidade informal ou em zonas de proteção a mananciais, quase todas invadidas e ocupadas ilegalmente. E o elitismo da legislação persiste, empurrando as pessoas de boa-fé aos aproveitadores. Perplexos, vemos o avanço do crime organizado controlando áreas e atuando num mercado paralelo e ilegal, como esta Folha mostrou em editorial e reportagens recentes.
Além das restrições urbanísticas impondo inaceitável subaproveitamento dos poucos terrenos disponíveis, o setor imobiliário formal ainda enfrenta a resistência dos NIMBYs (Not in My Backyard – não no meu quintal). O egoísmo daqueles que já moram exclui aqueles que teriam o direito de também morar. Querem exclusividade. Ingressam com representações no Ministério Público e ações. Tentam embargar empreendimentos legalmente aprovados. Impedem o aumento da oferta de moradias.
Em seu livro “Os Centros Urbanos – A Maior Invenção da Humanidade”, Edward Glaeser, professor de economia de Harvard, constata: cada vez que se proíbe a construção de novos prédios, a cidade vai-se tornando mais cara e excludente. E isso provoca a criação de favelas e ocupações ilegais ao seu redor.
Temos de mudar isso! As restrições de densidade e gabaritos têm de ser revistas! A densidade média de São Paulo é baixa: 7,5 mil habitantes/km². Paris tem quase 21 mil hab/km² e Nova York 11 mil hab/km². Diferente do que muitos pensam, o bairro mais adensado da Capital é Sapopemba, com mais de 21 mil hab/km². E lá quase não há prédios! Adensamento e verticalização são conceitos diferentes. Os coeficientes da atual legislação são extremamente baixos; na contramão do que existe nas principais metrópoles do mundo.
Relatórios publicados recentemente na The Economist mostram que sistemas de planejamento flexíveis, com tributação e regulamentação financeira apropriadas, podem transformar a habitação em força para a estabilidade social e econômica. E a calibragem adequada das regras urbanísticas (adensamento, uso e ocupação do solo) são instrumentos para diminuir o preço dos imóveis e reduzir os deslocamentos entre casa e trabalho, com melhor uso da infraestrutura pública.
Uma mensagem aos legisladores: políticas que retêm a produção de mais moradias não conversam com as economias modernas e só agravam as desigualdades sociais e geográficas.
Ricardo Yazbek é engenheiro civil, vice-presidente do Secovi-SP e ex-presidente da entidade
Autor: Assessoria de Comunicação - Secovi-SP
Ricardo Yazbek
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