A garagem e o seu impacto na cidade - por Hamilton de França Leite Júnior
Publicado em 13 de Outubro de 2011
Esse meio de transporte também se torna indispensável onde falta equilíbrio entre emprego, habitação e lazer na ocupação do território e onde pedestres e ciclistas não têm prioridade. As consequências negativas desse modelo são por nós bem conhecidas.
Não é difícil para qualquer morador da capital paulista que utiliza o automóvel, antever que este modelo, fortemente apoiado no sistema viário, será impraticável dentro de poucos anos.
Dentro desse cenário, podemos esperar que a cidade forçosamente caminhará para rotas alternativas no sentido de minimizar os problemas de mobilidade da população. Estas soluções podem ser diversas. Ampliação das redes metroferroviárias, melhoria das linhas de ônibus, implantação de outros modais de transporte, como BRTs e VLTs e a construção de ciclovias permanentes. Políticas ainda pouco utilizadas pelo poder público brasileiro são a correta precificação para estacionarmos nas ruas e a limitação da quantidade de vagas construídas em novos empreendimentos. Experiências internacionais ensinam que a facilidade para estacionar estimula a utilização do automóvel, e vice-versa, bem como, a ampliação das vias não resolve de forma sustentada o problema de trânsito, pois a população percebe a melhoria imediata de fluidez daquela rua e passa a utiliza-la com maior frequência, anulando o benefício conquistado. Novos modelos de ocupação urbana poderão proporcionar ao cidadão a conveniência de caminhar de casa para o local de lazer ou trabalho, utilizar a bicicleta para percursos intermediários, o transporte de massa para trajetos mais longos e, apenas eventualmente, o automóvel.
Dessa forma, dependeremos menos dos carros, e assim, o número médio de automóveis por família decrescerá. E isto repercutirá diretamente na indústria imobiliária, que por conta da área de garagens que deixará de construir poderá oferecer imóveis mais baratos ao mercado, além de contribuir para a preservação ambiental por consumir menor quantidade de recursos naturais.
O artigo apresentado na 11a Conferência da Latin American Real Estate Society, disponível em www.hamiltonleite.com.br/pdfs/LARES2011.pdf, trata desta relação entre o espaço destinado às garagens e a área privativa total construída nos edifícios da cidade de São Paulo, desde a década de 30, quando surgiram os primeiros prédios com garagens.
A visualização da curva da evolução histórica deste indicador - que em 2001 atingiu seu pico de 53,84% - possibilitou a formulação de tendências para 2020 em diferentes cenários.
Um dos cenários aponta o crescimento proporcional das garagens em relação à área privativa total nos edifícios, alcançando a marca de 58,69%. Para ilustrar este caso, haveria 58,69 m2 de garagens para um apartamento de 100 m2. As consequências negativas seriam aumento nos custos dos imóveis devido à área adicional que precisaria ser construída para as garagens, e trânsito ainda mais caótico, com toda a sua herança nefasta para a economia nacional, para a saúde e qualidade de vida da população.
O cenário mais desejado aponta a queda desta proporção para 38,03%, o que indicaria uma crescente conscientização por parte da sociedade paulistana com relação aos efeitos nocivos causados pelos automóveis e evidenciaria um avanço qualitativo na mobilidade do habitante da cidade na próxima década.
A diferença entre as áreas de garagens nos dois cenários é de cerca de 600 mil m2, que na melhor hipótese deixariam de ser construídas em São Paulo. Isto representaria uma economia de aproximadamente meio bilhão de reais, por ano!
Diversas ações precisam ser tomadas nesse curto horizonte para que esse objetivo seja alcançado. Talvez a mais simples e eficaz delas seja inverter os textos legais que exigem um número mínimo de vagas em novos empreendimentos, limitando-os, ou ainda melhor, transferir a análise da necessidade de vagas para a iniciativa privada, que tem agilidade e competência para atender as demandas de seus clientes.
Outra importante contribuição seria a atualização do Plano Diretor para estabelecer um melhor equilíbrio de usos e ocupação do solo, que agregue incentivos fiscais para empresas se estabelecerem em regiões com pouco emprego, como nas periferias. Incentivos para o desenvolvimento de empreendimentos residenciais, em locais como a região central, onde há abundância de trabalho e infraestrutura e, por fim, a implantação de equipamentos de lazer onde estes são insuficientes na cidade.
* Hamilton de França Leite Júnior é diretor de Sustentabilidade do Secovi-SP e da Casoi Desenvolvimento Imobiliário.
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