Segundo o mais recente relatório sobre o Déficit Habitacional Brasileiro, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de dados do IBGE, persiste no País uma demanda de 5,4 milhões de residências. Essa carência é majoritariamente urbana (81%). Nem poderia ser diferente, pois mais de 90% dos habitantes vivem nas cidades.
Portanto, solucionar essa questão, crucial para a qualidade da vida, passa por um aperfeiçoamento do planejamento urbano dos municípios, a curto, médio e longo prazo, através de seus planos diretores. Não basta construir habitações. É preciso que a moradia esteja inserida num contexto mais amplo, no qual as empresas e os empregos, sistemas de transportes, escolas, postos de saúde, hospitais, centros de lazer, cultura e compras estejam próximos da população, como ocorre em numerosas cidades do mundo desenvolvido. Com isso, as pessoas deixariam de percorrer longas distâncias para ir trabalhar diariamente e atender as suas necessidades rotineiras.
No Brasil, contudo, vem prevalecendo uma cultura de urbanismo, calcada no espalhamento, ao invés do adensamento. Essa característica é mais presente nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Em vez de se provocar um adensamento populacional e arquitetônico no qual tudo esteja mais acessível, confortável e próximo da população, optou-se, historicamente, por limitar o potencial construtivo das edificações, empurrando as famílias para periferias cada vez mais distantes. Só para exemplificar, na cidade de São Paulo o potencial construtivo é de no máximo quatro vezes o tamanho do terreno, enquanto em Nova York pode chegar a 30 vezes.
O argumento contra o adensamento e edifícios altos é de que eles podem prejudicar o meio ambiente, com maior sombreamento, menor circulação dos ventos, ilhas de calor e polos geradores de tráfego. Nessa concepção, contudo, se esquece de que espalhar de modo exagerado as habitações para locais periféricos cada vez mais distantes é algo muito mais danoso ao meio ambiente.
As consequências negativas desse modelo são muitas: desmatamento intensivo de áreas cada vez maiores, para abrigar as edificações; necessidade de mais linhas de transmissão e distribuição de energia, água e redes de esgoto, encarecendo e reduzindo a eficiência e a produtividade dos sistemas em relação ao número de pessoas atendidas; produção diária de grandes congestionamentos e criação de gargalos de trânsito e necessidade crescente de transportes, reduzindo muito a mobilidade (no Brasil, com o agravante da precariedade dos transportes públicos); má qualidade da vida, pois as pessoas perdem horas preciosas de lazer e convivência, presas nos engarrafamentos e se locomovendo entre o trabalho e o lar.
Temos, portanto, uma cultura urbana perversa, que apenas os cidadãos e impõe custos muito elevados ao Estado. Ante o porte de nossas grandes cidades, o potencial construtivo admitido pelo poder público não é suficiente, não atendendo a um nível mínimo de adensamento populacional compatível com os mais contemporâneos conceitos de sustentabilidade econômica, social e ambiental.
O estudo do IPEA demonstra em números a fragilidade de nosso modelo de desenvolvimento urbano: apesar da redução geral do déficit habitacional em todo o País nos últimos anos, o problema mantém-se, especialmente no universo das famílias com renda de até três salários mínimos. É nessa faixa que se apresenta a maior parcela da falta de moradia. Ou seja, as pessoas de menor poder aquisitivo continuam sem casa própria e estão morando cada vez mais longe do trabalho, do médico, da escola, do lazer e de uma vida de melhor qualidade.
O Brasil precisa consolidar novos conceitos de urbanismo, nos quais habitação, comércio e serviços possam interagir com altas densidades e eficientes sistemas de mobilidade (transporte público, privado, ciclismo e caminhada). Cidades compactas, adensadas e conectadas viabilizam melhor aproveitamento da infraestrutura urbana, seja ela energética, de saneamento básico ou de gestão de resíduos, criam mais oportunidades de convívio familiar e interação social e propiciam mais segurança e qualidade de vida.
*Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Fiabci/Brasil e diretor de marketing da Sobloco Construtora.
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