Impactos na construção civil: a desistência da compra e venda de imóveis - por Pedro Henrique Picco
Publicado em 16 de Fevereiro de 2016
O ano de 2016 promete atenção e trabalho redobrado para as construtoras para venda de imóveis, lançamento de novos projetos, geração de caixa e readequação da estrutura da empresa.
Entretanto, os problemas não param por aí. No ano de 2015 de cada 100 (cem) imóveis vendidos, 41 (quarenta e um) foram devolvidos para as construtoras, segundo dados da agência FITCH, o que representa um volume de R$ 5 (cinco) bilhões de reais retornando aos estoques das empresas.
E ao que tudo indica o ano de 2016, não será nem um pouco diferente, o relatório da FICHT estima que se 35% (trinta e cinco por cento) das unidades vendidas forem canceladas, os distratos alcançariam a cifra de R$ 6 (seis) bilhões de reais.
O motivo para tantas devoluções dos imóveis é a crise econômica instaurada em nosso país, com o aumento das taxas de juros, a restrição de crédito e o aumento da taxa de desemprego.
Assim, muitos consumidores que haviam adquirido seu imóvel, no momento da entrega das chaves e liberação do financiamento acabam desistindo de celebrar o negócio, seja porque não conseguem o financiamento bancário, seja porque o valor das parcelas não cabe no orçamento, seja porque ficaram desempregados.
Nesses casos, não resta alternativa a não ser a devolução do imóvel.
Entretanto, o chamado distrato não acontece facilmente entre as partes. As construtoras acreditam que o contrato de compra é irrevogável e irretratável. O comprador do imóvel, por sua vez, acredita na devolução dos valores do imóvel na sua integralidade podendo rescindir o contrato a qualquer momento.
Os contratos celebrados entre as partes, na maioria das vezes, estabelecem percentuais de retenção no caso de desistência do comprador (no patamar de 30%, 40% e até 50% sobre o valor do imóvel), outras vezes não estabelecem, simplesmente informam ao comprador que não poderá haver a desistência, ou caso haja, perderá todo o valor pago.
Logo, o impasse entre as partes é encaminhado para o judiciário.
Em recente decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, proferida em 13/12/2015, no Recurso Especial n.º 814.808/DF o MINISTRO MOURA RIBEIRO, estabeleceu a retenção em favor da construtora em 10% (dez por cento) do valor pago pelo comprador.
No caso em discussão, o comprador adquiriu o imóvel e ao requerer o cancelamento do negócio a construtora requereu a retenção de mais de 40% (quarenta por cento).
Ao julgar o recurso, o MINISTRO MOURA RIBEIRO manteve o acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL que estabeleceu que “a rescisão unilateral do contrato, por desistência do adquirente, ensejaria a retenção de mais de 40% do total pago, o que claramente é excessivo. A cláusula estabelece obrigação abusiva. Coloca o consumidor em desvantagem excessiva, em afronta aos artigos 51,II, e 53, do CDC, aplicáveis a hipótese”.
Na explicação do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL, constou o seguinte: “O valor retido não pode ser fonte de enriquecimento sem causa da construtora. E, o contrato, porque de adesão, impossibilita ao consumidor verificar e discutir as cláusulas”.
Assim, no caso narrado, o comprador teve retido do valor pago, por ter desistido do negócio, o percentual de 10% (dez por cento). A construtora foi condenada a restituir o percentual de 90% (noventa por cento) do valor pago corrigido desde os pagamentos e 1% (um por cento) de juros de mora desde a citação.
A retenção de 10% (dez por cento) tem como finalidade compensar as construtoras pelas despesas de elaboração de contratos e publicidade.
As construtoras têm tentado de todas as formas evitar os novos distratos, facilitando a aquisição pelo comprador, por meio de financiamento direito e troca por outro imóvel. Quando não é possível infelizmente a solução razoável é o distrato do contrato.
Contudo, as construtoras devem ficar atentas com os contratos realizados, pois a estipulação de retenção em percentual superior a 10% (dez por cento) demostra-se abusiva. Nesse caso uma solução amigável junto ao comprador pode ser a melhor maneira possível de resolver a questão, evitando novos gastos e custos de um processo judicial que somente acabariam por trazer mais prejuízo à construtora.
Do outro lado, o comprador, antes de adquirir o imóvel, deve mensurar bem a situação econômica e a atual conjuntura politica do país, verificar se tem recursos suficientes para adquirir o imóvel e sua capacidade financeira para se comprometer em um financiamento de longo prazo, para evitar desperdiçar 10% (dez por cento) sobre o valor pago, no caso de desistência do negócio.
PEDRO HENRIQUE PICCO é advogado do AAG – Augusto Grellert Advogados Associados, inscrito na OAB/PR n.º 56.276, atuante na área de direito da construção, formado pela UNICURITIBA, especialista em direito civil e processo civil pela UNICURITIBA, coordenador do Task Force Construção Civil e Terceirização.
Comentários